CUNHA PEREIRA FILHO

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Relações de consumo no setor de turismo e a Medida Provisória nº 948/2020

Um dos setores que foi mais afetado pela pandemia de Covid-19 foi o de turismo. O cancelamento ou adiamento de inúmeros shows, espetáculos e demais eventos culturais repercute diretamente na economia e na sobrevivência de empresas e manutenção de empregos.

Assim sendo, no dia 8 de abril do corrente ano foi publicada a medida provisória nº 948/2020 que dispõe sobre o cancelamento de eventos do setor de turismo e cultura, em razão da pandemia de Covid-19.

Nesse sentido, segue abaixo considerações sobre a medida e seu impacto nas relações de consumo desse setor.

 

O que prevê a MP 948?

Em caso de cancelamento de eventos, a empresa prestadora de serviço não será obrigada a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, nos seguintes casos:

 

Remarcação dos serviços, reservas e eventos cancelados

O consumidor deverá solicitar a remarcação dos serviços, reservas e eventos cancelados no prazo de 90 dias contados a partir da publicação da medida provisória.

Ainda, serão respeitadas a sazonalidade e os valores de serviço inicialmente cobrados, bem como a contagem do prazo de 12 meses para realizar a remarcação a partir da data de encerramento do estado de calamidade (reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020).

 

Disponibilização de créditos para uso ou abatimento pelo consumidor na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas empresas

Esse crédito poderá ser utilizado pelo consumidor em até 12 meses, cujo prazo de contagem será iniciado na data de encerramento do estado de calamidade (reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020).

 

Acordo a ser formalizado com o consumidor

A MP ainda prevê a possibilidade de acordo diretamente entre o prestador de serviço e o consumidor, em condições diversas das indicadas acima, seguindo sempre o que prevê o Código de Defesa do Consumidor. 

 

Cobrança de taxas ou multas será possível?

Nos casos elencados acima, remarcação, disponibilização de crédito, ou acordo formalizado com o consumidor, a MP estabelece que não deverá ocorrer a cobrança de custo adicional, desde que a solicitação seja feita no prazo de 90 dias a contar da publicação da medida provisória. 

 

Impossibilidade de ajustes com o consumidor

Caso seja impossível chegar a acordo com o consumidor, conforme hipóteses acima, o valor desembolsado pelo consumidor deverá ser restituído, com atualização monetária (IPCA-E), no prazo máximo de 12 meses a contar do encerramento do estado de calamidade pública. 

 

Prestadores de serviço aos quais se aplicam a MP 948

A MP se aplica aos prestadores de serviços turísticos previstas pelo artigo 21 da Lei nº 11.771/2008:

  1. Sociedades empresárias;
  2. Sociedades simples;
  3. Empresários individuais e/ou serviços sociais autônomos 

 

Lembrando que para se enquadrarem nas hipóteses previstas pelo referido artigo, é indispensável que tais empresas ou empresários prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades vinculadas à cadeia produtiva de turismo:

  • Meios de hospedagem;
  • Agências de turismo;
  • Transportadoras turísticas;
  • Organizadoras de eventos;
  • Parques temáticos;
  • Acampamentos turísticos.

 

A MP será aplicada também aos cinemas, teatros, plataformas digitais de vendas pela internet.

A medida provisória ainda estabelece que os artistas contratados para realização de shows, e que forem impactados por cancelamento de eventos deverão reembolsar o valor de seus serviços no prazo de 12 meses, a contar do encerramento do estado de calamidade pública, caso o evento não seja remarcado.

Por fim, a medida destaca que as relações de consumo regidas pela MP não ensejam a aplicação de multas ou se caracterizam como infrações às normas de direito do consumidor, por se enquadrarem como caso fortuito ou força maior. 

Existem pontos que merecem destaque em relação à medida provisória descrita acima e que podem repercutir na vida de muitos consumidores. 

O primeiro desses pontos envolve a questão da duração do estado de calamidade pública, mencionado como termo inicial para contagem do prazo relativo à devolução de valores ao consumidor.

O estado de calamidade pública guarda relação com a organização do Estado, permitindo que o Poder Executivo gaste mais do que o previsto e desobedeça metas fiscais. 

A incoerência da medida provisória é no sentido de vincular obrigações que envolvem relações de consumo, à organização do Estado. 

Ainda, importante destacar que não há garantia de que ao final do surto relativo ao coronavírus, ocorra também o fim do estado de calamidade pública, o que gera insegurança jurídica e reflete negativamente nas relações de consumo, especialmente no prazo para devolução de valores.

Ou seja, o prazo para devolução de valores iniciar-se-á somente com o fim do estado de calamidade, que pode ocorrer muito tempo após o final da pandemia, sujeitando o consumidor a um prazo excessivamente longo para restituir valores desembolsados.

Outro ponto que deve ser destacado é quanto ao último artigo da medida provisória que dispõe que as relações de consumo regidas pela MP não ensejam a aplicação de multas ou caracterizam infrações às normas de direito do consumidor. 

Tal disposição abre uma porta para práticas abusivas por parte dos fornecedores, e aumenta, ainda mais, a insegurança do consumidor. 

A medida foi criada com a finalidade de manter o equilíbrio das relações de consumo, e viabilizando a atividade econômica das empresas do setor de turismo. Todavia, não há garantias quanto à sua eficácia e proteção ao hipossuficiente. 

Em caso de dúvidas na negociação de contratos que envolvem relações de consumo, e na previsão de possíveis cenários para o futuro, é imprescindível a orientação de um profissional que atue na área de direito do consumidor.

Letícia Beltrami de Campos

OAB/PR 76.446

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